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  • Flavia Costa

Elogios e modéstia


Tenho problemas com elogios. Ah, para com isso, dirão vocês. Mas é verdade!

Claro que eu gosto deles, o problema não é esse. O problema é que não sei recebe-los, não sei o que fazer com eles. Fico super sem jeito, tentando mudar de assunto e parecer que não é nada, ao invés de aproveitar o momento de reconhecimento. Isso deve parecer bem anormal, e eu acho que é mesmo. Mas também não acho que sou anormal sozinha.

Na infância da minha geração, e na dos meus pais, e acho que todas antes deles, fazer as coisas direito, bem feitas ou muito bem feitas não era considerado nada demais, era só o que se esperava que fizéssemos de qualquer forma. Menos era digno de nota, e recebia punição. Mais, por outro lado, era o que se esperava como normal, porque pais e mães em geral não são estatísticos e não sabem que normal é a média, e mais que a média não pode portanto ser normal.. Nesta época, a perspectiva punitiva era o padrão. A perspectiva punitiva tentava trazer o ruim para a média, mas nunca empurrar o bom ou melhor para mais acima ainda. Sendo assim, elogios não existiam como rotina, ou nem existiam nunca. Não é de se admirar que eu e a maioria dos velhos da minha geração tenha esta “modéstia” derivada da incapacidade de lidar com algo a que não fomos expostos em nossos anos formativos da infância.

Muito diferente da perspectiva atual, pelo menos nas famílias mais educadas e “modernas”, onde cada mínimo feito é fartamente elogiado. Nos casos saudáveis, isso deve levar a adultos bem resolvidos com esta questão (não me pergunte quanto elogio é saudável, eu também gostaria de saber). Nos casos extremos (quiçá patológicos), isso culmina na cultura da auto-adoração nas redes sociais. Receber elogios (curtidas) tornando-se quintessencial para a sobrevivência.

Claro que minha análise acima se refere ao ambiente e cultura que conheço bem do nosso país, e variações existem no tempo e espaço. Por exemplo, na Holanda fui exposta à visão Calvinista, para a qual a modéstia é uma grande virtude, e os elogios não são usados levianamente. E o contrário na gringolândia, onde elogios exagerados são usados o tempo todo e modéstia certamente não é uma virtude muito admirada. Aliás, o excesso de auto-propaganda dos norte-americanos é irritante, inclusive na ciência (algum dia eu volto a este tópico).

Mas gostar de elogios deveria ser normal. Aliás, é o normal, biologicamente falando. Um elogio é um reconhecimento que faz a pessoa se sentir parte do grupo, e para um ser extremamente social como nós, ser parte de um grupo é fundamental para a sobrevivência. Mas além disso, e talvez mais importante, elogios dão a dimensão do status social que cada ser possui no grupo, e isso afeta a reprodução. Vários estudos psicológicos mostram que os elogios recebidos (e os não recebidos) por meninos e meninas em relação a sua beleza, desde fases iniciais da vida, determinam o nível de exigência com relação à qualidade dos parceiros que terão mais tarde. Quem recebeu elogios se sente confiante para exigir mais, e assim arrebanhar uma fatia mais grossa do bolo da reprodução.

Seria bom para pais, educadores e formadores ter uma idéia de como elogiar o suficiente, de forma justa, mas também não mentirosa. De forma generosa, mas que não gere monstros auto-adoradores e incapazes de enxergar os próprios defeitos. Mas pense numa coisa complexa...

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